quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Criadora de cabritos

Esses dias me perguntaram como eu virei publicitária. Um tipo de pergunta interessante se você pensar que ser publicitário não é como ser médico, bombeiro (apesar de apagar muito incêndio), astronauta ou bailarina e a maioria das pessoas não sonham em ser o cara que faz jingles, enche a programação da TV de comerciais e obriga todo mundo usar o controle remoto.

Particularmente, eu acho que descobri a publicidade cedo, com uns cinco ou seis anos em um ano-novo. Eu e meus primos, como bons descendentes de libaneses, queríamos ganhar uma grana para tomar muito mais picolés e concorrer a muitos palitos premiados. Então, eu sugeri uma “ação”: vamos fazer uns desenhos e copiar uns “dizeres” de umas revistas, daí a gente vende pros adultos. Sucesso! Principalmente porque a revista utilizada foi uma revista pornô do meu tio adolescente e tínhamos frases para todos os gostos: “estou com tesão”, “pega mais forte”, “me lambe”.

O tempo passou e a “causa” me tocou: líder de turma, Grêmio Estudantil e todas estas atividades que fazem a gente aprender que o poder da persuasão e do grito funcionam e que o socialismo, não. Nessa época eu também já sabia que matemática, física e química eram praticamente os anjos do apocalipse na minha educação, prontos para espalhar o caos. Veio o vestibular e eu precisava escolher alguma coisa: corta todas as exatas, suspende todas as biológicas, só faz história se quiser morrer de fome. Jornalismo ou Publicidade? A genética turca se apresentou mais uma vez e inspirada pelos persas: publicidade e propaganda.

Com o tempo, a gente descobre que a propaganda lembra os rituais de iniciação das tribos. Quando você chega passa pela fase do deslumbramento: o Brasil é o país mais criativo do universo. Depois vem a fase da iniciação: procura um estágio, não consegue estágio. Procura um estágio, vai trabalhar com mamografia (obrigada, CIEE). Procura estágio, responde perguntas sobre jesus em um colégio de freiras (obrigada, CIEE). Procura um estágio, vai ser assistente de gráfica e cheirar cola spray. Procura um estágio, vai ser atendente de telemarketing (obrigada, CIEE). Então, finalmente, chega a fase da consagração: você decide entrar em uma agência. Como eu sempre quis trabalhar com criação, não precisei passar pela fase do “tem vaga pra quê?”. O que é um momento muito triste da vida publicitária. Eu lembro até hoje do meu primeiro dia na Escala: Uma criação gigantesca e eu pensando “ai meu deus, vão descobrir que eu sou uma fraude”.

Foram três anos de estágio, a descoberta que todo mundo na criação é igual: poços de cultura inútil com pitadas de filmes bizarros e um cara que fizeram eu descobrir que desde quando eu vendia cartões com belas frases de amor, eu já queria ser redatora. Esse “mestre” fez eu colocar o jaleco e sentar na cadeira pra ver como era ser dentista (como ele mesmo conta já que era o único publicitário em uma família de dentistas e o poder de persuasão paternal tentou ser mais forte). Foi em uma agência que eu senti o gostinho de ver uma campanha ser criada, um outdoor ir pra rua, curti festas de final de ano em que a polícia coloca limite, vi a ideia surgindo, o prazo comendo, o dia amanhecendo, a dor de ver tudo reprovado e a vitória de criar tudo do zero outra vez. Além da sensação maravilhosa de subir no palco para ganhar um prêmio. Porque ninguém admite, mas é ótimo ganhar prêmios.

Hoje, pensando em porque eu virei publicitária, acho que a melhor resposta é porque eu, assim como muitos amigos que conheci nas agências, na faculdade e pela vida, adoro caçar ideias, mesmo que não tenha verba pro arco e para a flecha. Eu gosto de botar a mão na massa, ver a coisa surgindo. Brincar de Deus com “compre hoje”. Decidir o destino do “Só amanhã”. E o mais importante: continuo sendo publicitária porque não me importo que o glamour seja inversamente proporcional ao suor, porque sei o que significa "fazer um cabrito", não me importo que minha vó não entenda o que eu faço e porque como todos os indios: reclamo, reclamo e reclamo das condições de vida, mas não fico longe da oca por nada.

6 comentários:

  1. Pois é amiga, a minha vontade era ser publicitário, mas a vida me levou para outros mundos (do direito e da loucura noturna - NÃO, eu não me prostituí ainda, AINDA.rs).
    Pena que a loucura noturna (DJ e barman) diminuiu e o trabalho de advogado aumentou.
    Sinto falta das noites de discotecagens ou da adrenalina dos bares (fazer 10 caipirinhas em 2 a 3 minutos).
    Bom, a vida passa e continuamos sendo nós mesmos.
    Vendedores de sonhos e compradores de ilusões, ou não!?rs
    Isso me lembrar quer ter tempos para os hobbies é importante.

    "All work and no play makes Jack a dull boy. "
    The Shining (1980)

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  2. É... eu também sou publicitário, só não estou publicitário. Porque eu decidi ser? Porque minha imaginação é foda! Sempre achei que os comerciais da Coca eram melhores que o da Pepsi e que eu poderia deixar os comerciais da Pepsi melhores que os da Coca. Me cansei quando glamourizaram a profissão. Mas parece que ja trocaram os sapatos de cromo alemão por all stars. Talvez eu volte a ESTAR publicitário, mas é uma coisa que nunca se deixa de SER.. é crônico e não tem remédio.

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  3. Muito bom, adorei! Me indentifiquei bastante, apesar de não ser publicitária e sim uma quase designer hahaha...

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  4. Ahhh as maravilhas de ser publicitário.

    Tentei ser publicitário, comecei com essa idéia quando um dia fui em uma rádio (Energia 97 aqui de São Paulo) em um encontro de quem ouvia um programa futebolistico deles, nessa tava rolando um papo de um dos diretores lá falando que a rádio precisava mudar o Slogan por estava muito ofensivo (na época era Energia 97 e o resto que se Dance [dito em bom ingles..DENCE...ou coisa assim]) e eu ouvi..na hora me veio uma luz e em um raro momento de falta de acanhamento e fui falar com ele. Na época tava rolando aquela bagaça de racionamento de energia...ai falei "Pq não faz Energia 97 - Não racione essa energia?"
    o cara, que depois fui descobrir que era dono da rádio, me levou até o diretor artistico e me pediu pra falar a idéia...eu disse..ele fez cara de "ta bom..vamos ver". Esqueci disso. O slogan da rádio mudou..virou Energia 97 - A Energia da balada, porém usaram meu slogan em um dos Spots da rádio. Quando ouvi me senti feliz e pensei "Eu sou bom nisso".

    Hoje nem me considero mais publicitário, vi que não era tão criativo assim e estou repensando meu futuro...mas é incrível vc ver uma criação sua indo pro ar...acho que isso compensa todos os problemas da profissão.

    Você é boa e ama oq faz...só vai colecionar alegrias!

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  5. Eu decidi ser publicitário pra ter um trabalho divertido. Não rolou.
    Aí eu decidi ganhar dinheiro e hoje trabalho com informática. E é divertido!
    Mas a Mari "Cabrito" Mancia sabe da minha birra com nossos amigos galináceos

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  6. Não sou publicitário, mas deixaria alguns deles ricos certamente.

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